Thursday, November 18, 2004

Flama

Flama influxo fechado
ordenado efúgio de letras
Chama o fogo
Paisagem muda às gerações
Arrumada no meu interior museu
Constante mutação sem rasto de tempo

Fulminada egéria
a ti valiam-te essas folhas
onde ainda não te evaporaras
Nas minhas palavras
Flama influxo fechado
fim dos ciclos





Wednesday, November 17, 2004

Estranhas ilhas

Estranhas ilhas aquecidas por rumores de outras épocas.Aves ligeiras invadem o céu. Farrapos no ar evitam o contacto com as paredes.
Estranhas ilhas adormecidas por baluartes de ouro e prata. Manadas ferozes invadem a terra. Farrapos pelo solo evitam o contacto dos corpos.
Dedos de aço abrem buracos no chão. Sinto feridas as razões, queria um repousar pacifíco mas enquanto os continentes se despedaçam surgem novas ilhas que me dividem a sensibilidade, que me tornam um arquipélago de confusões.

Tuesday, November 16, 2004

Carrossel






A árvore que vês ali é uma anémona com ventosas azuis e um cachecol de neve. Sobem-lhe estrelas do mar pelo tronco, minúsculas como os tentáculos do polvo que te sobe pela perna acima.
Fumo flocos de neve que se suspendem no ar, bebo de tempos a tempos um copo de agulhas geladas. Cruzo a perna e faço o tempo parar, cruzo-a para o outro lado e toda a gente caminha lentamente.
As estrelas sobem devagar, o polvo olha-me nos olhos com uma expressão que não compreendo. Tenho a boca cheia de tentáculos que se colam à minha língua e tu juras beijar-me. Rebuçados crescem no prato.
O polvo abandona-me e vai pela rua abaixo com um dos membros a acenar.
Os sentidos sentimentos não deviam estar neste carrossel, pensei um dia. O carrossel levanta voo e desaparece no horizonte.
Levantas-te e desces a rua na direcção do molusco.

Saturday, November 13, 2004

Arde o circo

Vemos o circo a arder,uma mão, uma mão para morder, uma garrafa de gasolina para beber.
Sentamo-nos e vemos um leão em chamas devorar um canguru. Três esferas a voar não encontram onde poisar.
As ninfas, quietas, sossegadas,formam um circulo. Olham-se todas nos olhos e recolhem as formas e imagens e fantasmas dos objectos.Estando quietas e sossegadas tentam acalmar o incêndio.
Vemos o circo arder. O palhaço distribui garrafas de gasolina enquanto faz travessuras, o leão jaz carbonizado, as ninfas ardem lentamente.
Uma das ninfas, apartada do resto circo, cria flores de conceitos perdidos.
O CIRCO ESTÁ A ARDER! O CIRCO ESTÁ A ARDER!
O público nas bancadas está descansado, não se apercebe que as chamas já o cercaram.


Thursday, November 11, 2004

Auscultação do mundo

Ouvi no rio o som das pedras angulosas a transformarem-se em seixos redondos. Um murmúrio doce chegava-me dos teus lábios tão próximos.
Uma caixa tinha um par de brincos brincalhões, outra a letra de um idioma futuro.
Uma râ gigante passa a ferro atrás da montanha.
Ligo-me à corrente de mistério que passa por mim. Os segredos que me percorrem são apenas sorrisos e espantos que não consigo revelar nas linhas que escrevo.
Os meus propósitos são um labirinto que construi e do qual esqueci o desenho inicial. Reconheço as flores, as pessoas e tudo o resto mas não encontro a solução do enigma que procuro.
Sou o labirinto que as enguias percorrem para chegar ao mar, sou a enguia num oceano demasiado grande para me conseguir encontrar. Uma excursão de formigas dá a volta ao mundo. Lago aluga-se para fins comerciais.
Algo não está lá. Nação de fados. Casa de prados, porto de abrigo vende-se no coração.
São precisas mais e mais palavras para juntar ao caldo primordial.
(Estas palavras vão a caminho do mar onde se diluirão.)

Wednesday, November 10, 2004

Os nossos caminhos

Quando abristes as mãos mostrastes pinhais que se erguiam para o céu. Sopravas devagar e as copas moviam-se lentamente.
Abristes as mãos e tinhas punhais suspensos, em pé.Sopraste com força e um vento frio deixou as lâminas geladas.
Para voltarmos para casa, cada um para a sua, cada um para seu lado, tínhamos que passar por campos de lírios perfumados.
A cada passo olhávamos para trás à procura dos olhos um do outro.
"Sou um caracol a deslizar na tua pele devagar."-"A minha pele exala o perfume dos lírios onde me deitei e sinto o meu corpo como uma enorme pétala percorrida por um caracol."
Os lírios aqui são rôxos e o céu azul. Quando abres as mãos mostras punhais erguidos, em pé.
"Os punhais são papoilas!"- " As papoilas incendeiam-se nos dias quentes, agora está frio."
O rio é só nosso, descalçamo-nos e pomos os pés na água fria. Dizem que o rio foi erguido do fundo da terra por um enorme pinheiro que precisava de água para se tornar maior. Atirei-te uma gota de água e tu abris-te muito os olhos. Abris-te as mãos e vi orquídeas minúsculas.
"Sou um escaravelho azul metálico a correr por cima de ti como se fosses uma laranja." - "O meu sumo é doce e sinto a tua corrida no meu coração."
A terra branca aparece nas margens da ribeira.
Vejo nas tuas mãos canaviais que se agitam com o teu respirar. Oiço rouxinóis que se escondem nas canas e cantam ao luar na esperança deste se tornar na prometida amante.
"Sou um rio que passa por um seixo e o acaricia." - " Sou um seixo e a tua água faz-me tremer."
Nada mais se conservou daquele recanto. A fonte desapareceu por fim afogada pelas silvas. Os rouxinóis continuam a beber dessa água, a poisar ai nas suas viagens.
Abres as mãos e mostras um silvado com uma fonte escondida. Dás-me de beber dessa água e deixo de ter sede.
Abres as mãos e arames farpados ficam suspensos no ar. Engulo o arame e nunca mais tenho fome.
"O arame dá rosas!" - "As roseira crescem crescem..."
Afastamo-nos um do outro. Deixamos caminhos marcados nas ervas, assim podemos voltar aqui.
Ao fim do dia, sozinho, sento-me debaixo de um salgueiro. Ouvem-se os pássaros a recolher nas árvores, os ramos agitam-se e o sol fá-los passar por todos os tons de verde. O agitar dos ramos provoca mistérios que se levantam para a noite.
Abres as mãos para eu me deitar.
Abres as mãos e mostras-me pirilampos a brilhar. Os lírios de noite exalam os seus perfumes mais fortes, os rouxinóis voam de ramo em ramo sempre a cantar

Tuesday, November 09, 2004

Ahura

Demonstração auroral, talvez ausência
Os cristais chegam à praia
como se fossem as penas caídas de anjos marinhos
Arrastados pelas marés Respirar
Dessorando lágrimas coloridas
colorindo as margens liquidas com as suas soluções
Reacções com o céu e o mar
ou destroços das asas de Ícaro
estilhaçadas de tanto querer voar
Crer também deixa vestígios materiais
Estiando chegam os reflexos
Léxicos de luz

Monday, November 08, 2004

O Relojoeiro

Quanto ao primeiro, o relojoeiro, convém advertir que o seu exercício é mais espiritual do que manual. Nos desertos solitários, marcado por prazos infínitos, apostas areia.
Nem jogo nem devoção. Movimentos sensuais, e no melhor e mais quieto da noite arrastam horas, minutos, segundos e produzem frutos.
Tive o sabor espirituoso numa ampulheta. Girei o comando da luz e das trevas e embebi sentimentos no tempo.
O relojoeiro subiu para cima do escadote e elevou-se acima das areias, olhou em todas as direcções e viu areia. Interpolações de alívio do seu centro até à fonte cristalina. Volve a mim a claridade divinatória, eco do sossego e silêncio da noite.
Suavíssimo poisar dos dedos no mecanismo.
Melodias vindas da subidíssima musica do tempo.
Olhar de cego, infínito.