Wednesday, November 10, 2004

Os nossos caminhos

Quando abristes as mãos mostrastes pinhais que se erguiam para o céu. Sopravas devagar e as copas moviam-se lentamente.
Abristes as mãos e tinhas punhais suspensos, em pé.Sopraste com força e um vento frio deixou as lâminas geladas.
Para voltarmos para casa, cada um para a sua, cada um para seu lado, tínhamos que passar por campos de lírios perfumados.
A cada passo olhávamos para trás à procura dos olhos um do outro.
"Sou um caracol a deslizar na tua pele devagar."-"A minha pele exala o perfume dos lírios onde me deitei e sinto o meu corpo como uma enorme pétala percorrida por um caracol."
Os lírios aqui são rôxos e o céu azul. Quando abres as mãos mostras punhais erguidos, em pé.
"Os punhais são papoilas!"- " As papoilas incendeiam-se nos dias quentes, agora está frio."
O rio é só nosso, descalçamo-nos e pomos os pés na água fria. Dizem que o rio foi erguido do fundo da terra por um enorme pinheiro que precisava de água para se tornar maior. Atirei-te uma gota de água e tu abris-te muito os olhos. Abris-te as mãos e vi orquídeas minúsculas.
"Sou um escaravelho azul metálico a correr por cima de ti como se fosses uma laranja." - "O meu sumo é doce e sinto a tua corrida no meu coração."
A terra branca aparece nas margens da ribeira.
Vejo nas tuas mãos canaviais que se agitam com o teu respirar. Oiço rouxinóis que se escondem nas canas e cantam ao luar na esperança deste se tornar na prometida amante.
"Sou um rio que passa por um seixo e o acaricia." - " Sou um seixo e a tua água faz-me tremer."
Nada mais se conservou daquele recanto. A fonte desapareceu por fim afogada pelas silvas. Os rouxinóis continuam a beber dessa água, a poisar ai nas suas viagens.
Abres as mãos e mostras um silvado com uma fonte escondida. Dás-me de beber dessa água e deixo de ter sede.
Abres as mãos e arames farpados ficam suspensos no ar. Engulo o arame e nunca mais tenho fome.
"O arame dá rosas!" - "As roseira crescem crescem..."
Afastamo-nos um do outro. Deixamos caminhos marcados nas ervas, assim podemos voltar aqui.
Ao fim do dia, sozinho, sento-me debaixo de um salgueiro. Ouvem-se os pássaros a recolher nas árvores, os ramos agitam-se e o sol fá-los passar por todos os tons de verde. O agitar dos ramos provoca mistérios que se levantam para a noite.
Abres as mãos para eu me deitar.
Abres as mãos e mostras-me pirilampos a brilhar. Os lírios de noite exalam os seus perfumes mais fortes, os rouxinóis voam de ramo em ramo sempre a cantar

1 Comments:

Blogger Eli said...

Fiquei com um nó na garganta ao ler este texto...

11:30 AM  

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