Tuesday, March 29, 2005

Fé automática

Ondeava o meu pensamento na algidez dos répteis e noutros seres pequenos lisos e redondos, ainda longe da forma final. Tentava orientá-los até à composição da sua completude e em vez disso era o meu modo de pensar que se transformava no processo.
Os lagartos entram no paraiso graças a uma fé automática. Apesar disso não devemos pensar que a sua natureza é simples.
Ainda que não tenha sido destruido estava tão afastado de todos os séculos sagrados.
Ainda que a morte seja uma jovem bela com um alvo cisne aos pés não deixa de ser eterna e com um poisar dos dedos nos lábios pode fazer todas as flores do campo secar.
De que me adiantou o esforço de guiar a vida nas palavras não escritas se o Sol as expôs a tão maior luz que a minha?
Os lagartos entram no paraiso graças a uma fé automática.
Moldava as mesmas matérias há tanto tempo e ainda nem vislumbrava o final. Deixei então de ser o guia e comecei a ser guiado.

20 Comments:

Anonymous Anonymous said...

às vezes é isso que nos falta, deixar de ser guia para ser guiado

um beijo meu
Rose*

4:26 AM  
Blogger Luís Filipe C.T.Coutinho said...

Os lagartos mostram o caminho serpenteante e riem-se das nossas piadas toscas e inuteís, enquanto nos cravam mais um cigarro e assobiam uma música que já ninguém lembra....


abraço

7:31 AM  
Blogger lique said...

O problema é que, para nós, é difícil ter essa fé automática. Mesmo sendo guiados, não nos interrogamos? Beijos

9:43 AM  
Blogger agua_quente said...

Deve ser bom ter fé automática! Eu só tenho fé na natureza, nalguma ordem interna. E não gosto de ser guiada. :) Beijos

9:50 AM  
Blogger Monalisa said...

Gosto da estranheza da sua escrita. Obrigada pelas suas palavras. Beijo

1:23 PM  
Anonymous Anonymous said...

Querido André que hermoso lo que has escrito. Sos un mago con las palabras un beso inmenso.

3:05 AM  
Blogger musalia said...

Aqui estou, a deixar alguns traços como te tinha prometido. Gosto da tua escrita, reflectida, harmoniosa, cheia de imagens contrastantes.
Mas, André, não podemos fugir à nossa condição de finitude...
beijinhos.

6:28 AM  
Blogger Viuva Negra said...

gostei , mas deixava os lagartos de fora ...

6:47 AM  
Blogger SL said...

Acho que já perdi a minha fé automática algures num passado mutilador, que ensinou a que se deve ter uma palavra a dizer no guião...e só ai deixar-nos levar, levados por nós mesmos, percebes?!
A fé automática de que falas é tão bonita e genuína...que bom se a tiveres.
Jinhos, mais um texto de...tu sabes.

9:12 AM  
Blogger BlankPage said...

Abdikar de nós próprios para chegar lá? Se kortar a kauda ao lagarto depois ela permanexe com vida e eu aproveito-me para seguir o kaminho dela...da kauda...das células dela...

10:49 AM  
Blogger BlankPage said...

Esqueci-me de dizer que às vezex perko a fé...às vezex temos de ser guias na nossa própria eskuridão..

10:50 AM  
Blogger Fata Morgana said...

Que texto tão carregado de imagens bonitas, feitas de força e fragilidade. Insidiosas a penetrar a mente assim que as lemos, esgueiram-se pelas fissuras da nossa resistência. Lembram-me umas certas gargalhadas que, soando na noite, faziam morrer os pássaros nos ninhos e as mães perderem os seus filhos... apesar da mulher que ria não ser má.
Gosto muito!

4:16 PM  
Blogger Cris said...

Essa fé automática, também a temos até nos surgir a primeira questão, a primeira dúvida!
E ainda bem q assim é, André... É sinal q n estagnamos no tempo e que e n permanecemos na vida a rastejar!...

beijinho :)

3:29 AM  
Blogger Ángel mutante said...

Hola Guapo.
Honrarás mis alas quebradas si las agregas a tus links.
Gracias por tus trepanadoras visitas.
El beso que te dejo estampado en tu mejilla con seguridad haría ruborizar al más pintao.
Chaooooo.

7:10 AM  
Blogger Catarina Santiago Costa said...

O criador apaixona-se pela criação. A criação ignora o criador. E então, primeiro pesaroso, depois maravilhado, adere, apesar das levadas jovens por criaturas aladas sob os pés que, por magia do toque no lábio, fazem murchar as flores do campo, adere. Afinal até a jovem é bela e o cisne é da cor de todas as cores do espectro - é da cor do espectro!
A fé do lagarto é automática, mas a do poeta é revelada e conquistada (por antagónico que pareça). Assim as matérias poderão continuar as mesmas, desde que o olhar sobre elas seja outro, seja novo.
Beijo e obrigada

2:40 PM  
Anonymous Anonymous said...

quem se interessa pelas novidades literárias vem aqui:

www.icicom.up.pt/blog/muitaletra/

5:31 AM  
Anonymous Anonymous said...

Te leo, y más o menos te entiendo : ), no es muy dificil, tal vez algunas palabras..
Un abrazo, André

6:12 AM  
Anonymous Anonymous said...

André, lo que escribes es bonito y poético como cada vez que te leo. Pero, me has dejado pensando... Eres la segunda persona que escucho que compara a la muerte con una mujer! En tu caso, con una joven bella y con un cisne en los pies. Me ha resultado una imágen muy especial. Casi como si la estuviera viendo :-)
Un beso!

9:56 AM  
Anonymous Anonymous said...

André muchas gracias por tus alentadores comentarios. Que un poeta como tú halague así mis poemas es un honor.

Besos y gracias

3:20 AM  
Anonymous Anonymous said...

este e o texto mais perfeito que li de ti.far-me-a dormir bem.maravilhoso. indi ana.

12:08 PM  

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