Friday, April 29, 2005

Noticias do Hades

Naquele sonho vi um homem de xisto esculpir o seu corpo até se transformar na estática estátua dum deus.
Vi-o depois mergulhar na placa tectónica e descer até às profundezas das rochas líquidas.
Prosérpina oferece-lhe um ramo de pêlos púbicos, rosas negras, papoilas negras e uma pequena pedra de carvão.
Quem seria o homem do sonho?

Monday, April 25, 2005

O sentido

Quando nos separamos vi-te ser engolida pelas paredes brancas de cal. Nem olhas-te para trás decidida que estavas a afastares-te de mim.
O sorriso da Lua cheia pareceu-me escarninho e as corujas piavam até ao meu arrepio.
Misturada na água tomei uma dose de esquecimento. Mas não foi suficiente.
Agora só via a rua sem a tua presença, os candeeiros e não a Lua. Afinal esquecer era uma necessidade que a razão impunha ao coração e a que este sem se mover repudiava.
Afundada na refulgente calçada a razão fazia desabrochar escuras lágrimas de basalto.
O hiante coração fazia rolar pétreas procelas dentro do meu peito, fazendo-me perder o sentido do que é um poema.

Wednesday, April 20, 2005

O teu sexo

O Sol virou-se do avesso e mostrou-me as suas vísceras, eu como resposta mostrei-lhe o interior dos meus pensamentos. Um brando astro largou o meu olhar. Turvou-me o tacto o te tocar.
O brilho dos teus olhos são crisálidas prontas a romper o casulo das minhas emoções inquietas.
Podemos sempre inventar novos sentidos e horas, misturar as nossas raízes nas das velhas árvores e absorver-lhes o tempo. A memória frutifica na nossa proximidade e justifica-nos certos silêncios.
Apalpo as margens do universo na tentativa de confirmar os fluxos que me absorvem o equilíbrio e encontro-o macio e húmido como o teu sexo.

Saturday, April 16, 2005

Natureza morta

Fechei os olhos e vi um campo de rosas soldadas a um chão de ferro ferrugento.
Lírios azuis flutuam nas águas do rio que passa entre os teus seios.
Nos desenhos dos campos em que o meu olhar se derrete apreendo as melodias do mundo.
Uma andorinha despenha-se e tranforma-se na Deusa que criou a papoila.
A grande lagarta amarela devora malmequeres em cima dum prédio em chamas: será a mais bela borboleta a poisar nas tuas mãos.

Wednesday, April 13, 2005

Olhares

Olho-me nos teus olhos, espelhos cansados de reflexos.
No horizonte passam os navios de transporte da matéria dos sonhos.
As pétalas estremecem ao som dos nossos abraços.
Ao ritmo da cerejeira em flor e tocada pelo vento.
As abelhas rodeiam a árvore qual nuvem electrónica.
O gato glutão gira no céu com pézinhos de lã e um pedaço da Lua na boca.
Os meus olhos esvaziam-se de imagens para se poderem encher de ti.
Espelhos cansados de reflexos: a memória.
Tantos olhos e tantas miragens.

Saturday, April 09, 2005

Ulisses e Calipso

Quais os teus desígnios quando de mim te ocultas?
O sal apagara parte das memórias, as carícias secaram as estéreis lágrimas.
Escutas a Aura e os brandos Zéfiros?
Raiva e ódio acabaram-se, dispersos nas ondas que rodeavam a ilha, nas árvores perfumadas, no calor da areia.
Ligeira e nua descias do céu como poalha sideral.
A realidade caia na forma duma argêntea poeira. Sulcava as peles um voluptuoso lamber do tempo.
Deliciado embriagava-me com filtros amorosos num terraço perto do firmamento.
Um pequeno ramo oscilava após o levantar voo do leve pássaro. O meu olhar erguia-se perdido nas estrelas.
Saborosas bebidas me ofereceste, tão cheias do mais delicado refinamento.
Deus criado pelas melhores caricias duma deusa.

Friday, April 01, 2005

Quando não sei o que escrever reuno numa pilha o que dos meus desejos há em excesso e ateio-lhe um fogo seminal, um fogo primordial. O poema é então a descrição desse incêndio em que eu próprio sou a matéria de combustão.
A carne palpitante das rêses levadas ao sacrifício do desejo, obrigadas a cair na conversão da matéria.
Através da ilusão correm os regatos que vêm irrigar o sonho.
A selva povoada de bacantes excitadas pelo deus de Aónia
Setas sacrílegas afundadas na sagrada alma.
Quantos não se deixaram abrasar por tais setas que incitam aos prazeres animados?
O sangue a correr nas veias , epistolas das seivas à libido.
E se as sobras do desejo são em demasia o incêndio faz-se explosão e o poema é apenas o recolher dos esplendorosos destroços da imaginação.