Wednesday, June 29, 2005

O Poema perdido

No poema perdido haviam gordas nuvens paradas no céu, semelhantes a pedras de granito deitadas à sombra de árvores.
Olhando o céu não poderia encontrar então o poema: o céu está azul e sem nuvens.
Ouvi pela primeira vez um suspiro suspenso dos teus cabelos esvoaçantes.
Caminhando pelo jardim tento descobrir onde se alimentaria o escaravelho verde metálico: o devorador de cores, a preciosidade animal. Mas as pétalas devoradas pelo animal no poema já não são as mesmas que agora encontro.
Transbordavam pétalas pelos campos, presas nas árvores, espalhadas pelo chão como nós.
Lembro-me também de ouvir vozes e risos nesse poema e agora só fantasmas por aqui caminham.
Nus bebemos taças do orvalho que nos cobria a pele enquanto recordávamos o antigo poema dos nossos corpos.

Wednesday, June 15, 2005

Horizonte radiante

Esse quente sol que me lambe o pescoço e as faces e me toca intimamente, abre com mãos de oiro feridas doiradas no chão.
Atingem-me bátegas de luz e calor, flores azuis caídas no chão que adocicam a terra seca e tornam esplendorosas as galerias das formigas.
O céu nocturno torna-se mais nítido soprado pela fresca brisa da noite.
Leiras de dispersas e diminutas ervas secas, recordando o que de mineral há no vegetal.
Com a estiagem as palavras não conseguem manter a sua forma, liquefazendo-se junto com o suor em pequenos lagos. Essas poças, secas pelo bafo quente da estação, evaporam-se e surgem no céu como Aparições do desejo.
Paisagem de cera derretida num incêndio de sentidos, túrbido horizonte feito de miragens.

Saturday, June 11, 2005

A cidade

Com os dedos desenhava janelas no ar que depois abria de par em par.
Esses grandes arranha–céus, todos eles vento, erguiam-se sem razão pelos sentidos.
Nessas estruturas invisíveis escondiam-se palavras de significados ainda por descobrir e que faziam os seres brilhar com novas luzes.
O transparente bordado de interrogações que se enroscavam na minha mente e naquele céu já só imaginação surgiam assim aos olhos de todos os que olhavam o firmamento.
O tecido questionador crescia nas mentes até que ao fecharem os olhos descobriam não haver respostas

Friday, June 03, 2005

Nuvens silenciosas

Emirjo os dedos no rio de líquido erótico que passa entre essas duas colunas orgânicas da invenção e dissolvo-me na libido futura.
Ligo lendas livremente até ter ligeiros factos.
A menina estava encostada à porta, tão imóvel e bem vestida que mais parecia uma boneca de porcelana. Quando este pensamento me perpassou a mente a menina sorriu, caiu para a frente e partiu-se em mil pedaços.
Distante refúgio onde amontoo nuvens na espera de lhes dar forma.
Entretanto vou-te desenhando nas minhas soníferas respostas tão afastadas do mistério que és.
A primeira nota que cantas é um grão do deserto que acabas de atravessar.
As dunas da minha voz elevam-se nos ares como nuvens prontas a derramar silêncios sobre os ruídos do mundo. Chuvas doces.
Moldas as nuvens do corpo amado com mãos curiosas metamorfoseando os sentires em sucessivos deleites até o total esquecimento do corpo.
Com o silêncio tento desenlear o nó das palavras.